Projeto resgata memória e legado dos Mestres do Patrimônio Vivo de Alagoas

‘Entorno dos Mestres’ reúne histórias e contribuições de 17 fazedores de cultura já falecidos, fortalecendo a preservação do patrimônio imaterial alagoano

Mestre Brás e Quiteria, familiares do mestre Canarinho. Foto: Iranei Barreto

Alagoas é a terra dos folguedos e da cultura popular. Quando toda essa tradição e conhecimento são adquiridos por uma pessoa e ela passa a transmitir esses saberes entre gerações, ela vira um Patrimônio Vivo do estado.

O projeto Entorno dos Mestres percorreu diferentes territórios, mapeando e pesquisando a trajetória de 17 fazedores de cultura reconhecidos como Mestres do Patrimônio Vivo de Alagoas, com foco especial no legado deixado pelos que já faleceram. O resultado desse trabalho está disponível gratuitamente em formato de e-book dentro do Blog Aqui Acolá.

O projeto teve início em 2024, após aprovação no Edital nº 28/2023 – Projetos Culturais voltados ao Fomento e Preservação do Patrimônio Cultural do Estado de Alagoas, realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal, lançado pelo Governo de Alagoas, através da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa (Secult).

O resultado dessa pesquisa está disponível aqui. Durante o desenvolvimento da pesquisa, trechos de entrevistas, bastidores da investigação e reflexões sobre o processo foram divulgados no perfil do projeto no Instagram (@entornodosmestres), que funciona como um diário de bordo. Além disso, textos e materiais complementares podem ser acessados no Blog Aqui Acolá (https://aquiacola.net).

A idealizadora do projeto Iranei Barreto conta que a inspiração surgiu em dois momentos. “‘Minha filha, tenho medo de morrer! Meus filhos dependem do meu trabalho para sobreviver e não se interessam em aprender a trabalhar com o barro’, disse uma artesã ceramista há exatos 10 anos, em julho de 2014, em uma breve visita que realizei em uma comunidade”, lembra.

“Uma década se passou e nesse meio tempo, os meus caminhos como jornalista cultural se entrecruzaram e se afastaram por diversas vezes da arte popular, até que em 2022 surgiu o curso de Especialização em Práticas Culturais Populares do Museu Théo Brandão (UFAL). Em uma das primeiras disciplinas do curso foi solicitado um trabalho e justamente naquele momento, aquele diálogo ressurgiu e me inspirou a criar o projeto Entorno dos Mestres”.

Na primeira etapa, foram pesquisadas as trajetórias de 17 Mestres que já faleceram, todos com atuação no interior do estado. Entre eles, estão a rezadeira, benzedeira e parteira Mestra Anézia, de Santa Luzia do Norte; a Mestra de chegança e pastoril Luzia Simões, de Coqueiro Seco; os Mestres de guerreiro Jayme, de Coruripe, e Sebastião, de Viçosa; o Mestre pandeirista, cantador e palhaço de guerreiro Hilton, de Capela; a Mestra da renda de bilro Clarice, de São Sebastião; o Mestre de samba de matuto Tião do Samba, de Maragogi; o Mestre artesão Antônio de Dedé, de Lagoa da Canoa; o Mestre de coco de roda Nelson Rosa, de Arapiraca; a Mestra ceramista Marinalva, do povoado Muquém, em União dos Palmares.

Foto: Iranei Barreto

Foram pesquisadas ainda a trajetória do Mestre rabequeiro e luthier Nelson da Rabeca, de Marechal Deodoro; do Mestre da chegança Juvêncio, de Rio Largo; do Mestre de guerreiro José Laurentino, de Lagoa da Canoa; da Mestra de baiana Maria do Padeiro, de Coruripe; do Mestre artesão Fernando Rodrigues, do povoado Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar; do Mestre de reisado Dedeca, do povoado Serra do Cavalo, em Água Branca; e do Mestre cantador, embolador e palhaço de guerreiro Canarinho de Alagoas, de Taquarana.

O trabalho envolveu pesquisas bibliográficas e documentais, além de uma ampla investigação de campo, com visitas às comunidades onde esses mestres atuavam. Foram coletados depoimentos de familiares, amigos, brincantes e discípulos para mapear não apenas suas trajetórias e contribuições culturais, mas também para avaliar se suas práticas continuam vivas após seus falecimentos.

“Apesar dos desafios, houve uma recepção calorosa por parte dos familiares, discípulos e alguns servidores das secretarias de cultura dos municípios e do estado, o que fortaleceu a relevância do projeto e a necessidade de sua continuidade. Esses fatores moldaram o percurso da pesquisa e reforçaram a importância de ampliar o levantamento”, disse Iranei.

Continuidade

Desde a criação da Lei do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas (RPV/AL) – Lei Estadual nº 6.513/04, alterada pela Lei nº 7.172/10 –, 33 mestres reconhecidos já faleceram, levantando questões importantes sobre a continuidade e a preservação de seus legados.

E neste sentido, o termo “entorno” foi cuidadosamente escolhido para refletir a complexidade dos contextos sociais, culturais e geográficos que circundam esses mestres. O projeto amplia seu escopo ao explorar o universo em que essas tradições estão inseridas, indo além do reconhecimento individual para compreender as dinâmicas mais amplas que sustentam a memória e a vitalidade dessas expressões culturais.

Agência Alagoas